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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Cada um na sua: Chipre vive dia de paz e divisão entre gregos e turcos


Bandeira grega ao lado da do Apoel no CT (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)

Bandeira grega ao lado da do Apoel no CT
(Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)


De um lado, os turcos. Do outro, os gregos. Por todos os lados, brasileiros. Casa do Apoel, maior zebra da Liga dos Campeões de Europa deste ano, o Chipre vive dias de paz, mas está longe de ser um país harmônico. Rivais eternos, cipriotas da Turquia e da Grécia não se misturam, e seis brasileiros convivem diariamente com essa situação em Nicósia, única capital ainda dividida no mundo.
Destaques da surpreendente campanha do Apoel, o sexteto do Brasil vive hoje em um país já sem guerra e se dizem satisfeitos com a qualidade de vida no Chipre. No entanto, nem sempre foi assim. Nicósia é dividida por uma cerca de arame farpado, chamada de Green Line (linha verde). O local marca os limites das duas partes do país e é monitorado 24 horas por dia por militares. Nas redondezas, o antigo centro da cidade, abandonado exatamente como estava na ocasião do acordo pelo fim das guerras, em 1974, é chamado de “Cidade Fantasma”.
Na ocasião, após 11 anos de guerra nos 15 primeiros a partir da declaração de independência - em 1959 -, os turcos se apossaram de um terço da ilha, próxima ao seu território, e fundaram a República Turca do Norte do Chipre. O “país” não é reconhecido pela ONU, que considera a nação independente em sua totalidade, sendo incluída na União Europeia em 2004. O fim da guerra armada, por sua vez, não impede uma “guerra fria” entre turcos e gregos, que se suportam, mas não se misturam. O acesso entre as duas partes da ilha, localizada no mar mediterrâneo, é livre mediante a apresentação de passaporte. Porém, dificilmente os gregos, ainda amargurados pela invasão de 38 anos atrás, ultrapassam as fronteiras.


– Não presenciamos nenhum tipo de guerra ou violência. É claro que ainda existe uma mágoa por tudo que aconteceu, existe a fronteira, mas nós podemos passar para o outro lado tranquilamente. É um país muito calmo e com muito boa qualidade de vida. O clima é bom, as praias são maravilhosas e as pessoas são muito acolhedoras – declarou o atacante brasileiro Gustavo Manduca, que vive em Nicósia para defender o Apoel há um ano e meio.
O meia Nektarios Alexandrou, que também defende a seleção cipriota, resumiu a relação:
– Somos um país pacífico, mas continuamos separados. Podemos ir de um lado para o outro, mas não podemos viver juntos.

Bandeira da Turquia em montanha vista do lado grego apoel (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)
Bandeira da Turquia em montanha vista do lado grego (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)


Bandeira turca em montanha como provocação
Se por um lado os gregos cipriotas demonstram mágoa, os turcos cipriotas tripudiam em cima disso. “Donos” da parte Norte, eles têm em seu território as consideradas melhores praias do país, destino da moda no verão europeu. Além disso, fazem questão de mostrar poder e, para isso, pintaram uma gigantesca bandeira da Turquia no alto de uma montanha, que é vista 24 horas por dia pelos “rivais” onde quer que estejam, como citou o atacante Aílton.
– No dia a dia, não vivemos qualquer tipo de guerra ou divisão. Na verdade, não dá nem para perceber. A única marca é a bandeira que os turcos colocaram lá do outro lado, que dá para ver de noite e de dia. É uma forma de intimidação e provocação contra os gregos. Mas em campo não tem nada, não interfere em nada no futebol.

Aílton em treinamento do Apoel (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)

Aílton em treinamento do Apoel
(Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)


O futebol, inclusive, tem sido uma forma da parte grega mostrar ao mundo a “nova realidade” do Chipre. Mais do que o resultado esportivo, o Apoel, clube fundado e formado fundamentalmente por gregos, quer mostrar ao mundo a faceta pacífica do país e vê a campanha na Champions League como melhor caminho para isso.
– Ajudamos a trazer as atenções para o lado grego do Chipre. Isso que dá orgulho ao pessoal. Por mostrar para o mundo a realidade atual do país – disse Aílton.
Constantinos Charalambides, capitão do Apoel e da seleção do Chipre, fez coro com o brasileiro:
– É uma vitória do lado grego. Queremos mostrar coisas boas para Europa. Somos uma ilha pequena e o futebol é uma maneira de nos apresentarmos para o mundo.
Turcos não são aceitos no Apoel
Usado como meio de propagar a paz no Chipre, o esporte não foi capaz de promover a união entre ambos os lados. O maior exemplo disso está no fato de nenhum jogador turco jamais ter vestido a camisa do Apoel. E a expectativa é de que a realidade continue assim por muito tempo.
– Nesse time, não há chance. Os torcedores nunca aceitariam. Não somos um time somente sobre futebol. Somos um time ligado a religião, ligado a tudo que aconteceu neste país no passado. Somos gregos e cristãos e nunca aceitaríamos isso facilmente. Lógico que depende de muita coisa, mas vejo como a última coisa que a torcida aceitaria – decretou Alexandrou.
Charalambides tem a mesma opinião. Apesar de ressaltar o clima de paz entre turcos e gregos, o camisa 10 deixou claro que muita coisa ainda tem que acontecer para que defendam a mesma bandeira.

Brasileiros do Apoel mostram escudo do time (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)
Brasileiros do Apoel mostram escudo do time (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)


– Acho que ninguém ainda está preparado para isso. Em especial, o Apoel, que é uma bandeira para o lado grego. Quem sabe no futuro... Não temos nenhum tipo de guerra ou brigas entre nós. Cada um vive em seu lado. É isso. Ainda não estamos preparados para nos misturar. São muitos problemas políticos que precisam ser solucionados antes de um próximo passo.
O jogador, por outro lado, não tem dúvidas que o futebol é o melhor caminho para que essas barreiras sociais sejam superadas.
– O esporte é um caminho para mudar isso. Óbvio. Até para mostrarmos a Europa que o Chipre é um país que pode ser bem-sucedido em suas ações, que se respeita cada vez mais. É um caminho até para facilitar uma solução para todos esses problemas.

Brasileiros aprovam qualidade de vida no país

Charalambides, camisa 10 do Apoel (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)

Charalambides, camisa 10 do Apoel
(Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)


A divisão não interfere em nada na rotina dos cipriotas e turistas. Pelo contrário, os brasileiros foram só elogios ao comentarem a qualidade de vida em Nicósia.
– Meus filhos têm uma oportunidade de frequentar uma escola inglesa, aprenderem um novo idioma. As pessoas aqui, ao contrário da própria Grécia, estão muito abertas a cultura europeia, até por receberem muitos turistas – disse Manduca.
O atacante admitiu que o rancor é evidente no dia a dia, mas isso não representa violência.
– Principalmente da parte do grego com o turco, a mágoa no coração ainda é grande. Quando eles falam do assunto, ainda se emocionam. Eles perderam muito, muita gente morreu, e a tristeza ainda é profunda. Um turco jogar aqui é algo realmente muito difícil. Para nós, que somos de fora, é muito mais fácil. Mas é difícil quando a pessoa sofre na pele superar o trauma. Quem sabe no futuro o esporte não possa unir? Quebrar o orgulho, a raiva, a dor...
Dor que os brasileiros ajudam a esquecer a base de gols e vitórias, que fizeram do Apoel o primeiro clube do Chipre a alcançar o mata-mata da Champions League. Na próxima terça, cerca de 3 mil cipriotas, da Grécia, é importante lembrar, são esperados no estádio Gerland, em Lyon. Afinal, o tempo é de paz também na arquibancada.

No centro de Nicósia, bandeiras do Chipre, da Grécia, de Nicósia e da União Europeia apoel (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)
No centro de Nicósia, bandeiras do Chipre, da Grécia, de Nicósia e da União Europeia apoel (Cahê Mota)










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